06 novembro 2007

A melhor mulher que você já desperdiçou



Alice A. tinha peitos de índia e uma sensibilidade pernóstica de tão curiosa nos ombros morenos. Guardava o hábito lascivo de apertar os amores entre as pernas, como se pretendesse esmagá-los sobre o próprio ventre. Gostava das marcas e da expressão "roxa de paixão". Gostava de desenhar contornos com a língua e de provocações ao pé do ouvido. Gostava de sentir o peso e trepava de olhos abertos; tinha prazer em observar. Expressões, movimentos, pupilas dilatadas, pelos eriçados, contornos. O antes, o durante, o depois. Sorria. Naquela noite, deteve-se no depois. Fingiu dormir e, quando sentiu sobre o peito a outra respiração do terceiro sono, levantou. Sentada ao pé da cama com as pernas cruzadas como a de uma menina de tranças, acendeu um dos cigarros franceses que ele lhe trouxera de presente e observou. Observou com um cuidado cirúrgico cada milímetro de pele exposta sob a luz do abajur que ela tanto gostava. Guardou com cuidado o desenho das costas e o tamanho das mãos. Quis fotografá-lo; indefeso, belo. Como o achava belo. Sabia, de algum jeito, que jamais acharia alguém assim tão belo. Nem sob a luz daquele abajur, que ela adorava tanto, nem sob qualquer outra luz. Com a Polaroid dele e o cigarro pendurado na boca, imitando para si mesma uma daquelas atrizes francesas dos filmes que ele tanto admirava, fotografou. A foto que seria para sempre, enquanto ela se lembrasse, a foto mais bonita que havia feito na vida. Estava séria. Vestiu-se com o cigarro francês, que era o presente, ainda pendurado, e escreveu na parede com aquele lápis vermelho de marcenaria:
“Querido, se você quer uma mulher capaz de subir com você em um fusca verde para qualquer lugar do mundo com uma mochila e um mapa e que ouça Billie Holliday enquanto cozinha; se você quer uma mulher que escreva cartas de amor, que tire fotos de amor, que rasgue roupas de amor, que chore e grite de amor e que viva de amor. Se você quer uma mulher que não tem noção ‘do quanto’ e que por isso não tem restrições sobre quando ou onde; se você quer uma mulher que sangra, que cheira, que morde, que explode, que aguenta; uma mulher com força o bastante, vontade o bastante, coragem o bastante, imaginação o bastante, loucura o bastante, doçura o bastante, atrevimento o bastante, saliva o bastante e poesia demais; querido... se você quer uma mulher capaz de fugir pra qualquer lugar do mundo, sozinha, num fusca verde, com uma mala, uma foto e um mapa, querido, meu querido, você vai ter que me conquistar primeiro.” Apagou o cigarro, o abajur. A mala já estava pronta. Sorria.




pérola encontrada por aí

Nenhum comentário:

Postar um comentário