14 novembro 2003

A estranha agora deu de não comer. Sou eu que perco peso, bunda, peito e buchecha.
A estranha dá de chorar de bobeira e eu pago o mico.
A estranha se descontrola: ora fala demais sem nenhum argumento, ora emudece um turbilhão de idéias.
Quero acordar cedo, quero praticar um exercício, quero tomar café sem pressa.
A estranha só quer saber de sonhar, dorme até tarde. Dorme
pesado de peso de amar.
Amar dá sono porque gasta os sentidos.
A estranha quer me atrapalhar, não quer que eu escreva esse texto e eu acabo escrevendo tudo truncado e bobo. Ela só quer que eu sinta, que eu pense, que eu respire, que eu disque aqueles números mais uma vez, mais uma vez, mais uma vez.
Ei safada, saia de dentro de mim, preciso trabalhar, preciso respirar, preciso comer, preciso levar minha vida. Minha vida, entendeu?
Quem te colocou aí, vagabunda? Quem disse que você manda em mim?
A estranha é tão forte, tão grande, tão cheia de bocas, dentes, buracos quentes.
A estranha vive para devorá-lo.
Eu sou fraca e tenho a nítida e desesperadora sensação de ser mera
platéia de missa: estou de joelhos.
Que graça foi ver nesse homem, estranha filha da puta? Meu corpo te
rejeita tanto que é quase um câncer sentir tudo isso. Meu corpo já se
alimenta de você, digerindo aos poucos essa loucura para desmistificá-la.
O mais estranho da estranha é essa felicidade plena em que vivo. Esse
estado de graça.
A estranha encheu meu estômago de borboletas coloridas.
Encheu de suspiros a minha alma. Me encheu de rendição.
É uma dessas alegrias de dar pulinhos e de murmurar alegria no
semblante mais sério.
É uma dessas alegrias tão abençoadas por Deus, que Ele é quase cúmplice de esporádicas baixarias e mentiras.
É uma dessas alegrias desconfortáveis mas que tem cara de cama quente e travesseiro fofo.
Estranha, pra que tanto se depois acaba, mais uma vez, como tudo?
Ela nem me liga, ela dança linda e vermelha no meu tórax. Eu perco o ar, esbugalho os olhos.
Ela nem me liga, formigando cada parte do meu corpo, transformando meu desenho em pontilhado.
Depois me instiga a chamá-lo para que forme minha imagem, me faça existir.
Não sou uma massa desfigurada, vaca estranha! Sou uma mulher inteira, charmosa, inteligente, sarcástica, irônica e segura. Eu arraso corações!
Não preciso de ninguém! Saia daqui!
Ela apenas me sorri irônica e por piedade aquieta-se alguns segundos.
Depois, eu mesma não agüento e a procuro: estranha por estranha, negar uma paixão é muito mais louco do que aceitá-la dentro da gente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário