19 março 2007

amora



(ilustração: sara mello)

ela finalmente tinha nascido, mas era estranho observá-la em meus braços e não sentir aquela emoção que sempre sonhei sentir. ela não se parecia comigo, nem com o pai. olhos bonitos, bochecas rosadas, pouco cabelo, orelhas levemente de abano, sorriso maduro. uma independência implícita em seus traços cruelmente entregava: ela não precisava de mim. talvez este fosse o porque da silenciosa dor que me tomava desde o momento em que a vi.
enquanto fazia sua mamadeira, deixei-a no carrinho e ela logo saiu caminhando em outra direção. eu queria que ela precisasse de mim, mas no fundo eu também não precisava dela. senti angustia, mas deixei-a livre e assim, ela se foi.
deitei na cama, pensamento distante, profunda frustração, sono pesado. uma enfermeira entrou no quarto confirmando o engano: "aqui está sua filha". ali estava minha verdadeira filha. logo vi nela muito de mim, da minha familia, do pai. ali estava meu amor. tão rapidamente eu já a amava mais do que tudo em minha vida. ela precisava inteiramente de mim. nós já não podíamos respirar sem ela.

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