Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
— já me aconteceu antes.
Pois sei que
— em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade —
essa clareza de realidade
é um risco.
CLARICE LISPECTOR, A LUCIDEZ PERIGOSA
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